Mãe recebe transplante de Rim de filha de 20 anos


do UNIVERSO FEMININO


MÃE E FILHA TIVERAM UMA LINDA HISTÓRIA: A FILHA QUE SALVOU A MÃE.


Mais do que um de acto de coragem, falamos de amor. O sentimento que levou Filipa Alves, com apenas 20 anos, a doar um rim à mãe, após centenas de sessões de hemodiálise para recuperação de uma doença renal crônica.  


Foi há 23 anos que Maria Emília Alves começou a ter sintomas fora do normal que a levaram a consultar a sua médica de família. 


''Comecei por ter os pés inchados sem qualquer justificação. Tinha dificuldade em baixar e achei que deveria procurar ajuda especializada'', conta. Como trabalhava numa loja e passava muitas horas em pé, acreditava que o inchaço dos pés e, posteriormente, das pernas se devesse ao cansaço extremo. 


Após vários exames de diagnóstico que indicavam uma infecção grave sem se saber qual a origem, Maria Emília foi reencaminhada para uma consulta de Nefrologia. A confirmação de que o seu problema de saúde estaria relacionado com os rins acabaria por chegar mas Maria Emília era muito nova para acreditar que algo podia estar errado. ''Fui muito bem recebida onde me foi diagnosticada uma glomerulonefrite mas não conseguia crer que poderia estar doente. Sempre fui saudável, tinha uma filha pequena e não era possível'', confessa. 


Apesar dos alertas dos médicos para uma  doença grave, não deu a devida importância. Ainda assim, começou por tomar um medicamento para urinar porque já estava muito inchada e um outro para vigiar a tensão arterial. ''Como tinha de ser acompanhada regularmente, passei a ir ao hospital três a quatro vezes por ano e em outras ocasiões caso houvesse algum dado novo nas análises ou nos exames que fazia'', salienta. Passou a ter cuidado redobrado com a alimentação, sobretudo com o consumo de sal. 


Tudo decorria dentro da normalidade mas o médico que a acompanhava sempre a alertou para a necessidade de vir a ter de se submeter a diálise mais tarde. ''Fui acompanhada durante doze anos sem fazer hemodiálise. Nunca tive sintomas que alterassem significativamente o meu dia-a-dia'', conta. A sua vida profissional e a vida social decorriam normalmente… Mas após submeter a mais dois tratamentos – um de cortisona e um outro mais forte – chegava o momento de avançar para a diálise.


A Doença de Maria Emilia


Glomerulonefrite: É uma inflamação do glomérulo, unidade funcional do rim formada por um emaranhado de capilares, onde ocorrem a filtragem do sangue e a formação da urina. As glomerulonefrites podem ser primárias ou secundárias, agudas ou crônicas. As primárias se instalam diretamente no glomérulo e, em geral, são causadas por alteração imunológica resultante de infecções por vírus ou bactérias. Conforme os sinais clínicos que apresentem, elas recebem denominações específicas. A mais comum é a nefropatia por IgA, ou doença de Berger, que se caracteriza por presença de sangue na urina, pressão alta e, em alguns casos, edema nas pernas.


As secundárias não se originam primariamente no glomérulo, mas estão associadas a doenças, como hipertensão arterial, diabetes, lúpus eritematoso, hepatites B e C, infecção pelo HIV, ou, ainda, por alguns medicamentos. As causas mais frequentes, porém, são diabetes mellitus e hipertensão arterial sistêmica. As características e a evolução da doença variam muito. Por exemplo, a nefropatia por IgA pode entrar em remissão espontânea e exige apenas que o paciente seja mantido em observação. No entanto, há casos graves em que a evolução da doença renal é rápida, agressiva, e os portadores da enfermidade devem ser encaminhados para diálise ou transplante de rins.



Dr. Drauzio Varella explicou melhor sobre a doença de Maria Emilia.


Um Novo dia a Dia


Foi talvez o ponto de viragem na doença e na maneira como Maria Emília lidava com  ela. Pela primeira vez, mas sempre com o mesmo otimismo, começava a perceber da gravidade da situação e confessa que sentiu medo. 


''As sessões de hemodiálise eram realizadas numa clínica'', refere. A rotina semanal começava a instalar. O  tratamento de três horas e meia era realizado três dias por semana. 


Apesar do receio e de ter de se submeter a algo novo, esta mulher de muita coragem não se deixou vencer. Optou por aceitar e lidar com a situação da melhor forma. ''O tempo que estava na  clínica era passado em tratamentos mas não deixei de trabalhar. Quando vinha da hemodiálise, descansava um pouco e à tarde ia para o Mercado [negócio próprio que abriu depois de diagnosticada a doença]'', explica. E não evitava fazer esforços… 


''Como tenho a mania de querer fazer tudo, poupava o braço em que era feita a diálise e pegava em tudo com o outro… Mesmo quando foi feita a fístula, antes de começar a fazer diálise, andava de braço ao peito e continuava a arrumar prateleiras'', acrescenta. Mesmo se sentisse dores noturnas, no outro dia, voltava à sua vida normal, continuava a desempenhar as suas tarefas e esquecia-se do sofrimento.


Relativamente à hemodiálise, a sua opinião é sincera. ''Não é um tratamento simpático, é muito doloroso, as sessões não são agradáveis mas não é o fim do mundo'', refere. Também nesta fase, Maria Emília arranjou uma alternativa positiva. ''A maioria dos doentes dormia durante as sessões mas como eu não conseguia fazê-lo, passava o tempo lendo. Sempre fui uma amante de livros mas nunca tinha disponibilidade para me dedicar à leitura e passei a fazê-lo durante as horas de cada sessão de diálise'', afirma. 


Maria Emília fez muitas amizades na clínica. ''Éramos como uma família. O que se passa com colegas nos tocava em especial. Tinha a preocupação de verificar se estava tudo bem com outros doentes'', acrescenta.


Contagem decrescente para o transplante


A determinada altura, o médico começou a abordar a hipótese de realizar um  transplante vivo, ou seja, através da doação de um rim por parte de um familiar de Maria Emília. ''Tinha algum receio devido a comentários que ouvia de doentes que não tinham sido bem sucedidos no transplante e que voltaram à clínica para fazer hemodiálise. Por outro lado, não me sentia à vontade para abordar a questão em casa. Doar um rim não é mesmo que dar uma peça de roupa a alguém. É uma questão delicada e muito séria'', confessa Maria Emília.


A filha Filipa sempre lidou com a doença da mãe como algo normal pois era muito pequena quando foi diagnosticada. Mas, entre os 19 e os 20 anos, assistiu a um episódio que a motivou a querer saber mais sobre as possibilidades de ajudar a mãe a ter uma melhor qualidade de vida. ''Nunca pensei em doar o meu rim porque sou muito medrosa. As pessoas dizem que sou muito corajosa mas não me considero como tal. A gota de água foi uma altura em que liguei para o estabelecimento comercial da minha mãe e me disseram que ela não podia falar comigo porque a tensão arterial tinha baixado muito.'', afirma a filha.


''Nesse momento, achei que não poderia continuar assim e falei com a minha mãe para  tentar intervir mas sem dar muitas esperanças porque tinha medo do que pudesse acontecer posteriormente'', conta Filipa. Decidiu marcar uma consulta com o médico João Sousa, especialista que acompanhava Maria Emília, para esclarecer algumas dúvidas juntamente com a sua tia.


''O médico deixou muito à vontade para fazer perguntas e, logo nessa altura, mesmo sem ter os exames realizados, considerou que eu teria mais perfil que a minha tia'', adianta Filipa. Um ano foi o tempo em que Filipa passou em exames e consultas para garantir que teria condições para ser dadora. Apesar de ser muito nova, a sua persistência, convicção e vontade de ajudar a mãe não deixaram os médicos indiferentes. ''Perguntavam várias vezes se tinha a certeza de avançar com a doação'', refere. 


''Ao final de muitas consultas médicas e de várias perguntas, chegaram à conclusão que eu estava mesmo decidida e confiante. Perceberam que não era um impulso e que, após um ano, a minha decisão estava mais que tomada'', afirma a filha Filipa. Os médicos explicaram também que poderia haver rejeição por parte da sua mãe e que o rim não voltaria para Felipa novamente. ''Isso sim, fazia alguma confusão'', confessou.


Perante a dúvida, a jovem respondia que valeria a pena arriscar. ''Se desse certo, iria valer a pena'', adianta. Maria Emília teve de aceitar a opção que menos a tranquilizava. ''Não gostaria de ver a minha filha passar por esta situação mas no meu íntimo sabia que talvez fosse a melhor opção porque a minha filha era mais parecida comigo'', conta a mãe, orgulhosa.


Filipa confessa que o medo era muito.  Apesar de ter a certeza de que queria doar o seu rim, passou por uma mistura de sentimentos. ''O meu médico e o meu pai deixaram claro que poderia desistir se não tivesse mesmo a certeza deste passo e eu sabia que a minha mãe não ficaria zangada comigo'', explica. 


Ainda assim, Filipa não desistiu. O dia tão ansiado estava chegando. A operação realizou no dia 23 de Novembro de 2006. ''Sabia que, se corresse tudo bem, iria ser uma pessoa diferente no dia seguinte. O transplante correu bem. Sinto que estou vivendo uma nova vida e não voltei a fazer hemodiálise'', confessa Maria Emília. 


Apesar de o pós-operatório não ter sido fácil e de Filipa ter chorado muito com as dores e alguns incômodos decorrentes da cirurgia, vive no alto dos seus 25 anos com a certeza de que tomou a decisão mais acertada. ''Não sinto nada de extraordinário mas tenho uma grande cicatriz na barriga. Quando vou para a praia, as pessoas olham para mim mas acabo por reagir na brincadeira a olhares indiscretos'', confessa. 


''Não tenho qualquer problema com isso… Nunca fui magra nem tive um corpo esbelto. Tenho uma cicatriz mas está tudo bem.'', confessa Filipa entre risos. Maria Emília jamais se esquecerá deste gesto. ''A minha filha tem um enorme  coração. Nunca pensou que poderia algo correr mal com ela. Pelo contrário, estava sempre preocupada comigo e com a minha recuperação. É uma heroína'', reforça. 


A cumplicidade entre ambas é claramente evidente. O dia 23 de Novembro passou a ser comemorado como se de um aniversário se tratasse. ''Sempre que passa mais um ano, ofereço um presente à minha mãe para festejarmos o fato de tudo continuar a correr bem'', conta Filipa. 


E o medo? ''O medo passa. Há que pensar com o coração e deixar de racionalizar as coisas. Nos primeiros meses, temos algumas dores e achamos que não aguentamos mas tudo passa. Definitivamente, é o amor que nos move'', conclui Filipa. ''Um muito obrigada a todos os médicos, enfermeiros e auxiliares com quem nos temos cruzado ao longo destes anos'', acrescenta Maria Emília.


Os conselhos de Maria Emília


- Aceite o que a vida dá


''A hemodiálise é um pau de dois bicos. É a nossa salvação, por um lado, e é dolorosa, por outro ''


''Julgo que temos de aceitar tudo o que a vida nos dá. ''


''Há que pensar que temos aquelas horas de sessões de diálise mas que o resto do dia vai ser normal.''


- Seja generoso


''O transplante vai permitir-nos ter qualidade de vida. Julgo que as pessoas deviam pensar mais nos outros. Provavelmente, não haveria a necessidade de serem realizados alguns transplantes vivos se mais pessoas permitissem a doação de órgãos que não lhes farão falta após a morte.''


- Informe


''Era importante haver mais livros com informação para os doentes. Foi algo que senti falta quando me foi diagnosticada a doença pois gostaria de saber mais e não encontrava informação adequada… Os médicos devidamente interessados em doenças renais podem ser uma boa ajuda a este nível.''

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